O PAPEL INFORMACIONAL DOS SERVIÇOS SECRETOS
Vivendo como um espião
ALMA DE ESPIÃO
Você Tem o que É Preciso
para Ser um Espião
COMO FUNCIONA O CICLO
Imagine o seguinte cenário:
Você e sua esposa são convidados para jantar na casa do vizinho. Se
forem bem honestos, não estão empolgados com o convite. Talvez ficaram
acordados até tarde com as crianças ou têm um grande projeto no traba-
lho dentro de poucos dias. Parece que estiveram em jantares como esse
milhares de vezes. Você passa a noite conversando com outros convidados
sobre assuntos comuns, como quais esportes as crianças praticam ou os
planos para as próximas férias. Então conhece SEBASTIAN,1
novo na área.
É amistoso e divertido conversar com ele, e está fascinado ao saber que
você é pesquisador na “Empresa X”. Acaba que ele é consultor na “Empresa
Y”. Vocês conversam um pouco sobre o que fazem e ele está muito familia-
rizado com sua área de especialização. Você fica impressionado com sua inteligência, e é animador encontrar alguém interessado em seu trabalho.
Ele sugere marcar um almoço para conversarem mais, e você concorda feliz.
SEBASTIAN sugere um lugar fantástico, onde você sempre quis ir, mas não
cabia no orçamento. Vocês conversam um pouco sobre seu trabalho; ele faz
perguntas interessantes e parece estar sinceramente curioso sobre o que você
faz, sobretudo em relação à sua função no Projeto Y. A conversa flui e você
descobre que são jogadores de tênis assíduos. Ele pergunta se você é membro
do Clube de Tênis X. Você confessa que nunca foi, não consegue pagar as
mensalidades, o financiamento da casa e economizar para a faculdade dos
filhos. SEBASTIAN diz que ficaria contente em levá-lo como convidado.
Vocês marcam um dia para jogar tênis e ele insiste em pagar a conta.
Mais tarde naquela semana no trabalho, há um novo progresso no
Projeto Y e você lembra que SEBASTIAN ficou curioso sobre isso. Ele foi
um ótimo cara até o momento, pagando o almoço e oferecendo-se para
levá-lo ao clube, portanto você decide telefonar e contar sobre o projeto.
Você fica feliz por ligar, porque ele parece muito contente com as informa-
ções, e é bom se sentir útil. A relação continua e vocês se tornam melhores
amigos. Sua companhia é agradável; é divertido quando jogam tênis, e ele
está sempre pronto para uma boa refeição. Você também gosta do interesse
dele por seu trabalho e começa a deixá-lo a par das coisas. Acontece que
as informações que você tem o ajudam tanto que ele lhe dá uma pequena
taxa de consultoria. É confortante ter dinheiro extra e economizar para a
faculdade dos filhos.
Quando há uma mudança maior no Projeto Y e você o informa sobre
isso, de repente sua taxa dobra. Agora pode economizar para a faculdade
e também arcar com o clube de tênis do qual sempre quis ser sócio. Sua
esposa está empolgada, e o dinheiro extra é muitíssimo útil. Isso continua
por um tempo e mesmo que você adore o dinheiro a mais e goste da companhia de SEBASTIAN, há momentos em que imagina se deve dar a ele tais
informações; o que ele faz com elas? Mas realmente não quer abrir mão do
dinheiro, sobretudo agora que sua esposa começou a reforma da cozinha.
SEBASTIAN tem sido um bom amigo e já sabe tanto sobre Y, certamente
não importa se você está lhe passando um pouco mais de informação. Isso
não fará mal a ninguém, certo?
Se acha que tudo parece bom demais para ser verdade, ou seja, a amizade,
o dinheiro, o clube de tênis, você está certo. SEBASTIAN teve habilidade
para descobrir alguém com acesso, identificou suas vulnerabilidades, ganhou
confiança e recrutou essa pessoa para ser uma espiã. ESPIÕES SÃO OS MELHORES VENDEDORES NO MUNDO
O que um espião realmente faz? Eles recrutam pessoas com informações
que o Governo dos EUA acha ser úteis para a segurança da nação. Os EUA
podem descobrir que um governo estrangeiro está desenvolvendo uma arma
perigosa e precisam saber mais sobre ela para manter os cidadãos seguros.
Ou talvez suspeitem que uma célula terrorista está planejando colocar em
risco os norte-americanos. Nesse caso, pode ser necessário se infiltrar em
outro país para coletar informações no local e impedir a ameaça.
Ou como um ex-agente secreto que trabalhou por muitos anos como
agente diz: “Somos vendedores. Só vendemos um produto diferente, e esse
produto é a traição.”
Como se pode imaginar, a traição não é um produto fácil de ven-
der. Os agentes são altamente treinados na arte de recrutar ativos
HUMINT clandestinos. HUMINT é simplesmente qualquer informação
que possa ser coletada de fontes humanas. Os agentes recrutam pessoas que moram ou trabalham em outro país para serem espiões para o Gover-
no dos EUA. O ciclo que tais agentes sempre usam segue esta progressão:
identificar, avaliar os recrutas em potencial, ganhar confiança e recrutar.
Assim que o indivíduo é recrutado, ele é nomeado oficialmente e trabalha
com o agente para dar informações aos EUA em troca de alguma compen-
sação. Se pensa que ser agente se parece muito com ser espião, está certo.
Embora “agente” seja o termo oficial usado em espionagem, a conclusão é
que é apenas um termo mais técnico para “espião”. Assim, o agente da CIA
e a pessoa recrutada são espiões.
IDENTIFICAÇÃO: QUEM VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?
Como exatamente uma pessoa comum acaba traindo sua pátria e espionan-
do para os EUA? Quem estamos procurando? Essa pessoa tem habilidades
em particular? Se você acha que os EUA procuram alguém que seja ótimo
com arma de fogo ou pode participar de uma perseguição de carro, está
enganado. O agente certo terá poucas qualidades essenciais, mas a prin-
cipal procurada é uma pessoa com acesso. O espião em potencial deve ter
ligação com alguém que tenha informações que o Governo dos EUA não
consegue obter sozinho. Sem acesso, não adianta. Como verá em breve,
acadêmicos e pesquisadores geralmente têm informações muito valiosas
sobre produtos químicos, armas, programas de computador e sistemas de
criptografia que diferentes países almejam. Nesse caso, essas pessoas têm
acesso a informações valiosas. Uma pessoa também pode ser conveniente
porque tem acesso à tecnologia. Também é possível que um agente recrute
alguém porque tem relações com pessoas do alto escalão. Podem ser amigos
íntimos de um diplomata ou de alguém que trabalhe nas Forças Armadas. Pessoas que podem viajar livremente para um país “hostil” também podem
ter acesso. Podem passar um tempo em um país no qual os EUA não con-
seguem explorar com facilidade, pegar informações e levar de volta.
AVALIANDO UM RECRUTA
Um agente encontrou alguém com excelente acesso a figuras importantes
com informações que os EUA desejam. É um ótimo começo, mas não é o
bastante. Qualquer recruta em potencial deve ser avaliado antes de o ciclo
seguir em frente. Deve ser constatado que a pessoa avaliada não está sob
vigilância e não trabalha para a contraespionagem de seu próprio país. Os
recrutas em potencial que são considerados de mais alto risco são aqueles
que desertam, que aparecem na embaixada norte-americana se oferecendo
para dar informações em troca de asilo nos EUA. Outras precauções devem
ser tomadas para assegurar que essa pessoa não foi enviada por seu próprio
país fingindo querer asilo.
Outros riscos também precisam ser eliminados; por exemplo, a pessoa
consegue lidar com os desafios do trabalho? Ela conseguirá lidar com o
treinamento? Será capaz de dominar a espionagem básica, como sinalização,
brush passes e ocultação de itens? Na melhor das hipóteses, qualquer agente
recrutado será sensato e calmo. Obviamente, a espionagem é perigosa e
pode ter grandes consequências, desde um tempo na prisão até a execução.
Se o agente é sensato e fácil de lidar, há melhores chances de não ser pego.
Infelizmente, pessoas racionais nem sempre são as que decidem se tornar
espiãs. Às vezes, problemas de dinheiro, vingança e raiva são motivos para
uma pessoa decidir espionar para os EUA. Alguém com essa motivação
pode ser menos confiável e mais difícil de lidar, portanto é muito provável
que seja pego. GANHANDO CONFIANÇA E RECRUTANDO
Nas histórias a seguir, detalharemos o ciclo de confiança e recrutamen-
to. Quando um agente desenvolve um ativo, ele faz tudo ao seu alcance
para ter uma boa relação e preparar um cenário no qual a pessoa se sinta
confortável ao compartilhar segredos. Como um de meus companheiros
da CIA gosta de dizer: “Sei que estou aperfeiçoando alguém corretamente
quando a pessoa sente que sou a única pessoa no mundo que realmente a
entende, e é quando ela está pronta para ser oficialmente recrutada.” As-
sim que um agente é recrutado, ele se torna um verdadeiro espião para o
Governo dos EUA, e é quando os grandes desafios (diversão e entusiasmo)
realmente começam.
UM DOS MOTIVOS MAIS COMUNS PARA AS PESSOAS
CONCORDAREM EM VENDER OS SEGREDOS DE SEU PAÍS
PARA OS EUA
Há muitos motivos para uma pessoa decidir vender os segredos de seu
país para os EUA. Dinheiro é um motivo óbvio. Ter grandes dívidas
ou não ter dinheiro suficiente para viver pode colocar as pessoas em
uma situação de desespero. Algumas buscam adicionar emoção às
suas vidas ou compartilham uma forte filosofia pessoal com os EUA.
Também é possível que esperem conseguir um visto para os EUA para
elas mesmas ou sua família. Mas, se você pergunta a muitos espiões
qual é o principal motivo, a resposta poderá surpreendê-lo: Educa-
ção. Um dos pontos mais atraentes para colocar alguém no jogo da espionagem é a promessa de uma educação de qualidade financiada
para o filho de um recruta nas melhores faculdades ou universidades
norte-americanas.
ELEMENTOS DA ALMA DE ESPIÃO
Quando se vive no mundo avesso da espionagem, você nunca o larga. É uma menta-
lidade, um duplo padrão de existência.
— John le Carré
Graças a Hollywood, é fácil supor que espionagem significa sobreviver em
territórios inimigos ou escapar de situações potencialmente mortais, como
um tiroteio, ou até saltar de um helicóptero. A imagem que Hollywood
pinta sugere que ser um bom espião se resume a ter força física e anos
de treinamento especial. Claro, os agentes secretos são pessoas altamente
treinadas que provavelmente são mais capazes de se defender (ou outro
alguém) do que qualquer outra no mundo. Mas, quanto à espionagem, sua
capacidade de sobreviver a uma luta com facas ou escapar de um sequestra-
dor estrangeiro é apenas uma pequena parte do pacote. Os agentes secretos
possuem algo que chamo de “alma de espião”. Tal alma é uma combinação
complexa de traços que permite a um espião ganhar a confiança de um
ativo em potencial e recrutar indivíduos para compartilhar os segredos de
seu país, e saber como sobreviver nas situações mais extremas e perigosas
imaginadas. Embora todos os agentes secretos tenham toques especiais que
colocam em suas habilidades, na essência compartilham a “alma de espião”
como uma base central.
TRAÇO DE ESPIÃO Nº 1: MENTALIDADE CERTA
MAX: Nenhum treinamento importa se não tenho a atitude mental
correta. Mesmo que tenhamos o melhor treinamento possível, nada
realmente importa se você não tem a mentalidade certa. Os espiões
Se acreditar na
causa fundamental,
farei o possível para
terminar o serviço.
precisam ter muita fé para fazer o que fazem.
Não me refiro ao tipo de fé religiosa, embora
ache que poderia ajudar. Primeiro, é preciso ter
uma fé absoluta na missão que será realizada.
Trabalhei em muitos “alvos difíceis” [alvo difícil
é uma operação que alguém tentou antes, mas
falhou] durante minha carreira e fiz coisas que, à primeira vista, po-
deriam parecer assustadoras. Trabalhei em operações em que capturei
grandes narcoterroristas… tive que arrombar quartos de hotel. Nunca
se sabe o que será preciso fazer, mas pode ser radical, e, se você não
tem fé na missão real e no motivo dela, não conseguirá. Se invado o
quarto de hotel de um cara para pegar algo, preciso estar convencido
de que estou fazendo isso para um bem maior e que a causa vale a
pena. Se não sinto isso, posso não me empenhar 100%, o que é um
fator para uma missão fracassada. Se acreditar na causa fundamental,
farei o possível para terminar o serviço.
E sei por experiência que pode ser qualquer coisa.
Fé em Si e em Sua Capacidade
Segundo, é preciso ter muita fé em si mesmo. As coisas nem sempre
são simples; você não pode planejar tudo com antecedência. Óbvio
que o planejamento é essencial, mas não é possível planejar cada
consequência, como portas trancadas ou cercas indesejadas. É preciso
ter fé de que descobrirá o que fazer, não importa o que aconteça. Às
vezes, é difícil fazer com que as pessoas envolvidas nas operações
entendam isso. Quando tenho a mentalidade certa, sei no fundo do meu ser que nada me impedirá. Certa vez me envolvi em uma operação em
que precisei arrombar um apartamento em uma cidade no exterior.
Tinha que ser feito com delicadeza; eu não podia invadir e pegar o que
precisávamos. Precisei entrar e sair sem que ninguém soubesse que
estive lá. Sabia que era capaz, mas durante os planejamentos eu não
sabia como.
Há muitos modos diferentes de lidar com esse tipo de obstáculo.
É possível invadir pela porta da frente ou janela. Também é possível
subornar alguém que tem a chave para me deixar entrar ou fazer uma
cópia. Talvez convencer alguém a me deixar entrar. Não tinha dúvidas
de que poderia ser feito. Mas as pessoas que planejam a operação
nem sempre ficam confortáveis com esse nível de incógnita. Demorei
para me convencer de que, embora não tivesse um plano, conseguiria
fazer o serviço assim que estivesse no local. É sobre esse nível de fé
que estou falando: fé de que, independentemente do que aconteça,
você sempre estará pronto para lidar de um modo ou de outro. TRAÇO DE ESPIÃO Nº 2: OS ESPIÕES TÊM EMPATIA
ALEX: Sou bom no que faço porque uso uma combinação de expe-
riência das ruas, bondade e empatia; é quase o oposto de como fui
ensinado a fazer na Fazenda. Pode parecer estranho dizer que a em-
patia desempenha um papel na espionagem. Afinal, todos sabemos
que, muitas vezes, encontramos pessoas que precisamos recrutar ao
usar disfarces e fingir ser alguém que não somos. Também admito
que quando recruto alguém faço ativamente tudo o que posso para
explorar suas vulnerabilidades. Assim que toco nesse ponto, faço
de tudo para explorá-lo; funciona mesmo. Se recruto alguém que se
mostra inseguro sobre sua carreira, provavelmente lhe direi como estou impressionado pelo que a pessoa faz. Então, faço muitas per-
guntas sobre seu trabalho, mostrando meu interesse. Presto atenção
a cada palavra, demonstrando que estou ansioso para ouvir mais.
Também sei que nada disso funcionaria se eu não me importasse com
a pessoa que tento recrutar (e a propósito, ninguém é forçado nem
ameaçado a espionar para o Governo dos EUA). A relação entre os
agentes, embora incomum, é algo que você desenvolve lentamente
com o tempo até que se crie uma ligação verdadeira. Qualquer espião
recrutado perceberá se um agente não se importa com ele ou com
sua segurança. Ele também saberá se você estiver apenas querendo
obter informações e depois descartá-lo. É sedução pela sedução, e
não funciona. Todo recrutado é uma pessoa, e cada um tem muitas
qualidades maravilhosas… e, sim, isso inclui o acesso a informações,
mas ele contribui muito para o nosso país. Nunca se esqueça disso.
TRAÇO DE ESPIÃO Nº 3: NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ VÊ, NÃO
DEMONSTRE MEDO
MICHELLE: Viajei o mundo inteiro… estive no Congo, Nova Deli, Kat-
mandu e Irã, para citar alguns. Logo aprendi que é preciso prestar
atenção a tudo à sua volta; e, não importa o que se vê, não demons-
tre medo. Conhecimento é poder, e tive que aprender isso para ser
realmente boa no meu trabalho. Tento saber mais sobre o inimigo do
que ele sabe sobre mim. É o único modo de ter êxito. Todo dia você
trabalha para aprender algo novo, e isso ajuda a crescer como agente.
Houve muitas situações em que senti medo. Respirei fundo e disse a
mim mesma para não pensar no que faria dentro de uma hora, mas
prestar atenção ao que estava fazendo no momento. Enfim, embora
tenha me adaptado ao medo quando estava trabalhando para a CIA, a
verdade é que não é muito diferente do medo que senti na escola ou na
faculdade. Aquelas vezes em que se faz algo bobo, como ficar fora até tarde e perceber que não tem como chegar em casa e não tem dinheiro.
Você sente medo, mas arranja uma solução e aprende a lição. Nunca
comete o erro de novo, ou aprende a ter um plano B. A espionagem
não é muito diferente: você aceita o medo nas situações e assume o
controle. Aceita o medo e até aprende a admiti-lo. Também aprendi
a aceitar que, até certo ponto, não tenho controle. Obviamente fiz um
treinamento, tive minhas experiências e havia planos, mas assim que
você aceita que há coisas que não pode controlar, ajuda. Cresci em uma
área montanhosa e acho que isso me ensinou algo. Acordava cedo,
olhava pela janela e pensava: “Essas montanhas parecem furiosas
hoje.” Era simples, muito mesmo; as montanhas tinham esse poder.
Eu não tinha o controle. Nunca me esqueci disso.
TRAÇO DE ESPIÃO Nº 4: OS ESPIÕES SÃO SOCIÁVEIS
SARAH: As operações clandestinas não são para os fracos ou os oti-
mistas. É preciso pensar no que pode dar errado e saber que há uma
boa chance de que será assim. Tais operações requerem pragmatis-
mo, uma determinação inabalável e uma boa dose de ego. Um agente
secreto que procura recrutar espiões estrangeiros que compartilham
segredos de seu país com os EUA terá reuniões agradáveis com ou-
tras pessoas, em ambientes muito diferentes. Um agentes secreto
pode encontrar um possível recruta em um café frequentado pelos
habitantes locais, em uma universidade ou até em um jantar na casa
de um diplomata. Isso significa ter bastante confiança para conversar
com uma pessoa que pode estar envolvida com alguns dos elemen-
tos mais obscuros do seu país, assim como pessoas muito ricas e
poderosas, em um evento social. Como os espiões são enviados para
recrutar outras pessoas e convencê-las a compartilhar segredos de Estado por um período de tempo, é preciso ser agradável de imediato.
Os outros precisam estar confortáveis ao conversar com ele e sentir
uma capacidade inata de confiança.
Você Deve Jogar em Equipe
Você também precisa jogar em equipe. A espio-
A espionagem é uma
atividade que precisa
de pessoas.
nagem é uma atividade que necessita de pes-
soas. Todos com quem você trabalha — ou seja,
o diretor de operações, os analistas, as pessoas
criando materiais — fazem parte de uma equipe,
e cada membro contribui com suas habilidades únicas e expertise.
É de suma importância se lembrar disso. Nunca é um indivíduo só o
responsável pelo resultado da operação.
TRAÇO DE ESPIÃO Nº 5: OS ESPIÕES ENTENDEM QUE
MANIPULAR AS PESSOAS FAZ PARTE DO SEU TRABALHO
CORMAC: Alguns colegas no mundo da CIA preferem pensar: “Os
espiões são persuasivos”, mas não é bem assim. Eles precisam ser
manipuladores, e isso é diferente. A capacidade de manipular uma
pessoa, levá-la a fazer o que você quer enquanto ela acha que está
fazendo o que deseja, faz a diferença entre sucesso e fracasso. Acho
que vai além de vender algo para a pessoa; é fazê-la aceitar e querer
o que você está vendendo. Claro, há meios de fazer isso oficialmente,
é tudo escrito e codificado, e existem orientações sobre como fazê-lo,
mas você não pode recrutar alguém sem entrar em sua mente e des-
cobrir o que a faz funcionar. Tem que enganá-lo e manipulá-lo. Quando
ganho a confiança de uma pessoa, sempre digo que a pagarei, digamos,
por canções de ninar. Não importa o que ela me dá. Quero controlar.
Portanto, se ela me aborda com canções de ninar, dou dinheiro. Agora
ela se sente confortável com os US$100 extras por semana. Provavel mente é um funcionário subalterno em uma embaixada, e o dinheiro
ajuda. Então começo a fazer perguntas sobre canções de ninar, e, por
fim, esse dinheiro passa de US$100 para US$1.000. Depois a pessoa
começa a ficar à vontade para me contar sobre algumas coisas me-
dianas; ela está quase lá. Logo, só preciso que justifique o próprio
comportamento em sua mente, e, como estou no controle, darei essa
justificativa. Agora ela está confortável, desfrutando dos benefícios e
gostando do risco também. O risco pode ser uma grande motivação.
TRAÇO DE ESPIÃO Nº 6: OS ESPIÕES SÃO FLEXÍVEIS E ESTÃO
PRONTOS PARA QUALQUER COISA
SAM: Lembro quando fiz meu primeiro treinamento. De certo modo
achei que haveria um plano de fuga superlegal para me tirar dali se
as coisas dessem errado. Logo aprendi que, se algo corresse muito
mal, havia dois modos de fugir: tentar dar uma desculpa para se
safar ou se mandar. Muitas vezes somos enviados para longe, em
geral para países hostis. Como se pode imaginar, esgota emocional
e fisicamente. Mas não importa nossa exaustão, sempre temos que
estar preparados para tomar uma decisão rápida em relação à nossa
própria segurança ou ao sucesso da missão atual. Embora tenhamos
um treinamento excelente, há situações para as quais simplesmente
não conseguimos nos preparar, e é preciso estar pronto para encarar
coisas inesperadas que requerem uma tomada de decisão em uma
fração de segundo. E muitas vezes “dar uma desculpa” para se safar
ou “se mandar” é a única opção. Posso tentar manipular o que está
acontecendo para poder sair de uma situação complicada ou, às vezes,
não tenho escolha, exceto “ficar fora do X” imediatamente como puder.
Normalmente não temos tempo nem oportunidade para discutir opções
com outra pessoa. Um espião deve decidir seu melhor curso de ação
e executá-lo imediatamente, muitas vezes sozinho. Também tenho que estar pronto para me adaptar a qualquer cultura. Pode ser difícil
para mim porque realmente me destaco em muitos países. Mas não
importa, tenho que estar pronto para passar despercebido e sobre-
viver em qualquer cultura de qualquer lugar para onde sou enviado. AS REGRAS DE MOSCOU
ALEX muitas vezes descreve o trabalho como “exigência de bom senso
elevada ao cubo”. As Regras de Moscou são um ótimo exemplo. Elas
foram desenvolvidas ao longo de muitos anos e instruíram agentes
secretos norte-americanos na União Soviética sobre como interagir
com a KGB. Reza a lenda que essas regras nunca foram colocadas
no papel. Elas se desenvolveram com o tempo e todos entendem que
era preciso segui-las ao pé da letra se alguém quisesse sobreviver nas
ruas de Moscou, considerado o ambiente mais difícil de operar. A
lista original continha 40 regras, mas as 10 mostradas a seguir são
as que MAIS IMPORTAM:
1. Não suponha nada.
2. Sempre siga seus instintos.
3. Possivelmente todos estão sob o controle do inimigo.
4. Não olhe para trás; você nunca está totalmente sozinho.
5. Siga o fluxo, adapte-se.
6. Varie seu padrão e mantenha seu disfarce. 7. Faça-os baixar a guarda com complacência.
8. Não perturbe o inimigo.
9. Escolha a hora e o lugar para a ação.
10. Deixe suas opções abertas.
ESPIÕES REAIS EM AÇÃO
Agora que entende melhor o que os agentes secretos fazem para recrutar
espiões em territórios estrangeiros em nome da segurança dos EUA… você
os verá em ação. As próximas histórias nos levarão ao mundo inteiro, onde
qualquer coisa pode acontecer. Essas pessoas são as melhores em sua área
de atuação e usam a espionagem para fazer o serviço certo. Um espião
nunca sabe quais habilidades uma operação pode requerer e precisa estar
pronto para usar tudo em seu arsenal, sem margem para erros. Isso significa
estar sempre pronto para efetuar uma rota de detecção de vigilância por
cinco horas, usar sinais secretos para se comunicar com um recruta, extrair
informações de alguém e estar pronto para responder perguntas quando
está infiltrado. Como verá, estas pessoas farão o que for necessário para
ficarem vivas.
RESUMO:
A presente pesquisa estuda o emprego das informações de inteligência como
suporte à busca pela hegemonia de poder nas relações internacionais. Parte-se da
premissa de que o poder duro e o poder suave, atualmente, encontram-se sob a
hegemonia de uma única potência, a norte-americana. Essa potência, além de um
poderio militar inigualável, do poder econômico e político, também possuiria um
aparato informacional sem precedentes, sendo este último um pré-requisito para a
manutenção de seu status quo. Para manter essa primazia informacional, os EUA
apoiar-se-iam em seus serviços de inteligência ou serviços secretos que dariam
suporte ao exercício tanto do poder coercitivo quanto do poder simbólico. A partir
dessa ampla vantagem informacional em todas as esferas, os EUA constituiriam-se,
possivelmente, como o Estado informacional mais sofisticado do planeta, sob o
prisma das relações de poder para com os demais atores globais. Essa
superioridade no terreno das informações é alicerce das bases da atual hegemonia
inconteste norte-americana.
Palavras-Chave: Serviço de inteligência, Inteligência governamental, Estado
informacional, Relações internacionais, Estados Unidos.
I INTRODUÇÃO
Muitas vezes os fatos ameaçam a verdade.
Com o limiar do século XX e a potencialização das redes de dados digitais, e
sua decorrente utilização como recurso vital em todas as esferas das relações
humanas, modificou-se a forma com que o Estado lida com a informação,
aumentando ainda mais a sua importância. Para explicar esse fenômeno, Sandra
Braman (2006) empregou o termo Estado informacional, dentre vários aspectos,
para descrever uma fase da evolução humana em que o poder informacional torna-
se decisivo aos Estados em seus processos de disputa e controle. A autora afirma
que o emergente poder informacional permeia os meios clássicos de poder estatal
(poderes instrumental, estrutural, e simbólico), constituindo-se como um quarto
instrumento.
Poder instrumental seria a capacidade de modificar o comportamento humano
mediante a manipulação do mundo material a partir do emprego da força. Essa
forma de exercício de poder seria a mais antiga e relacionar-se-ia ao emprego de
armas e meios militares, como os exércitos, bem como através de incentivos
econômicos. Poder estrutural seria a capacidade de intervir sobre o comportamento
dos indivíduos a partir da criação de instituições e regras. Leis, tratados, estruturas
governamentais e o próprio processo político são maneiras de exercer esse tipo de
poder. Poder simbólico seria a manipulação do comportamento humano mediante o
domínio da imaginação e da percepção dos indivíduos, a partir da manipulação das
ideias, das palavras e da imagem. A propaganda, o sistema educacional e as
campanhas de mídia seriam exemplos dessa intervenção do poder simbólico. Poder
informacional seria o uso de metatecnologias, que possibilitam a manipulação das
bases de dados que dão suporte aos outros tipos de poder. Esse poder envolve a
forma como se organiza e manipula a informação, podendo, portanto, incidir sobre
os demais meios (BRAMAN, 2004, p. 160). Mais do que uma modalidade estanque,
o poder informacional representa o enredamento informacional das diversas outras
formas de exercício do poder, uma vez que lhes provê organização de dados.
Autores relacionados ao campo de estudos das relações internacionais, como
Nye (2009), adotam um recorte mais restrito em relação aos campos de poder
apresentados por Braman, dividindo os instrumentos de poder basicamente em
poder coercitivo (ou duro) e poder simbólico (ou suave). No campo do poder duro
estariam os instrumentos coercitivos que os Estados dispõem, como seu poderio
militar e econômico. Ao exercer o poder duro, submete-se o outro ator pela força que
se possui. Na esfera do poder suave, induz-se o outro a fazer a sua vontade, sem
que este o perceba. Esse tipo de poder é proveniente da hegemonia informacional,
do quase monopólio da produção cultural disponível ao grande público. Manipulam-
se aqui as condições do indivíduo discernir qualquer coisa por si só. Embora as
facetas propostas por Nye sejam mais sintéticas que as de Braman, em termos dos
conteúdos propostos, são basicamente idênticas. No conceito de poder coercitivo de
Nye estariam contidos o conceito de poder instrumental e informacional, e no
conceito de poder suave, os conceitos de poder estrutural, simbólico e informacional.
Como elemento comum às duas facetas de poder tem-se a necessidade do domínio
e controle da informação e das tecnologias que ordenam esta, típicas do Estado
Informacional.
Esta pesquisa parte, portanto, da premissa de que o poder duro e o poder
suave, atualmente, encontram-se sob a hegemonia de uma única potência, a norte-
americana. Essa potência além de um poderio militar inigualável, do poder
econômico e político, também possuiria um aparato informacional sem precedentes,
sendo este último um pré-requisito para a manutenção de seu status quo. Para
manter essa primazia informacional, os EUA apoiar-se-iam em seus serviços de
inteligência ou serviços secretos, que dariam suporte ao exercício tanto do poder
coercitivo quanto do poder simbólico. A partir dessa ampla vantagem informacional
em todas as esferas, os EUA constituir-se-iam, possivelmente, como o Estado
informacional mais sofisticado do planeta, sob o prisma das relações de poder para
com os demais atores globais. Essa superioridade no terreno das informações é
alicerce das bases da atual hegemonia3
inconteste norte-americana.
É importante salientar também a inferência de que o fortalecimento dos
instrumentos informacionais estadunidenses são uma escolha racional deste Estado
para o exercício de poder. No escopo desta pesquisa, diz-se, portanto, hegemonia
(FIORI, 2007b; CHESNAIS, 1996) e não império estadunidense, pois existe uma
opção política desse Estado pela primeira dimensão em relação à segunda. Para
compreender a escolha norte-americana, empregaremos as categorias propostas
por Raymond Aron, (2002, p. 220), em que a paz poderia ser alcançada nas
relações internacionais a partir de três situações-chave na correlação de forças entre
as nações: equilíbrio, império e hegemonia. Quando em um conjunto de nações,
umas não destoam das outras, em relação aos seus instrumentos de poder, alcança-
se a paz a partir do equilíbrio. Quando um Estado adquire tal superioridade de
forças, que permite a absorção dos demais entes políticos com a perda de sua
autonomia política e administrativa, tem-se o império. A partir do momento em que
um Estado possui superioridade em diversos campos de poder perante os outros
atores internacionais, não os absorvendo e permitindo ao menos uma aparente
independência política, tem-se um Estado hegemônico.
A opção norte-americana pela hegemonia, em detrimento do império,
possivelmente se relaciona às obrigações relativas aos Estados imperiais em que o
conflito compõe o cotidiano do exercício do poder. Conforme argumenta Aron acerca
das dificuldades do modelo de dominação imperial ante os demais modelos
balizadores das relações entre os Estados:
[...] o Estado de força crescente deverá prudentemente limitar suas
ambições, a não ser que aspire à hegemonia ou ao império. Nesse último
caso, deverá esperar a hostilidade natural que sentem todos os Estados
conservadores contra quem perturba o equilíbrio do sistema. (ARON, 2002,
p. 194).
Além da dimensão do conflito internacional e do caráter de enfrentamento
permanente com as entidades políticas ainda independentes apontados por Aron,
permanecem os problemas para se administrar os países ocupados. Em tempos de
3 Assume-se o conceito por seu viés geopolítico, em que hegemonia seria considerada a
preeminência de um Estado ou comunidade sobre outros, seja através da projeção de sua cultura ou
mediante instrumentos militares. Desta maneira, a potência hegemônica exerce sobre as demais uma
preponderância não somente na esfera militar, como também nas dimensões econômica e cultural. acentuado nacionalismo, exercer a dominação diretamente pelo emprego de meios
militares tem um grande custo. A criação das identidades nacionais em que o povo
identifica-se com o território e a cultura mudaram o conceito de guerra, tendo como
marco o advento da revolução francesa e das guerras napoleônicas. Os conflitos
deixaram de ser um evento meramente restrito aos militares profissionais e
passaram a mobilizar toda a nação. No exemplo francês, a população em armas
lutou primeiramente para defender a república e posteriormente para exportar seu
modelo de sociedade, construindo um exército de massas com esse propósito, em
que todos os setores da sociedade foram mobilizados para fazer a guerra. Com o
povo em armas, acrescidos do gênio de Bonaparte, “os Estados de primeira
categoria foram aniquilados quase de uma só vez” (CLAUSEWITZ, 1996, p. 245).
Enfrentar todos os recursos humanos e materiais de uma sociedade é bastante
diferente do combate entre os velhos exércitos de carreira. Essa nova lógica do fazer
a guerra propagou-se aos poucos pela Europa e pelo mundo, transformando povos
dóceis em fanáticos defensores de sua independência nacional. Dessa maneira, em
pouco tempo os próprios franceses estavam enfrentando a “luta encarniçada”
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 245) de resistência à ocupação movida pela população
espanhola.
Sob a égide da experiência colonial europeia e com a decorrente lógica da
economia de forças militares e econômicas, dentre outros fatores, a política
estadunidense sempre optou por exercer a hegemonia nas regiões de seu interesse,
empregando pontuais intervenções militares, mesmo que às vezes por períodos de
tempo longos. O fato dos norte-americanos preferirem instituir governos locais nas
regiões em que intervieram militarmente, dando um aparente perfil democrático a
tais governos, não implica que essa fórmula sempre tenha funcionado a contento,
nem que esse país deixe de utilizar corriqueiramente de medidas de força. A
questão é que mesmo quando o faz, destoa das práticas até então adotadas pelos
impérios tradicionais. Além disso, esse tipo de modelo de dominação
[...] não significa obviamente que o domínio americano fosse agradável para
os que viviam em sua área de hegemonia. Ainda assim, era um tipo de
dominação bem mais sutil, que economizava as forças da potência
dominante (que não precisava perder soldados e riquezas na tentativa de
controlar diretamente longínquos territórios quando isso não era realmente
necessário). Portanto, os EUA tendem a evitar a ocupação permanente enquanto padrão
de exercício de poder, optando por vias indiretas de dominação. Conflitos
historicamente recentes têm reforçado essa dinâmica4.
A pesquisa parte da premissa de que existe a opção consciente por parte do
Estado norte-americano de dominar prioritariamente a partir dos instrumentos de
poder mais sutis que a hegemonia oferece. Ressalte-se mais uma vez que isso não
significa que esse Estado não se utilize fartamente das guerras e ocupações, mas
tão somente que a opção primordial envolve o exercício do poder mediante
instrumentos mais suaves.
Sob a lógica da dominação por meios simbólicos e informacionais, tem-se
como pressuposto norteador deste estudo que na busca da manutenção do poder
hegemônico os serviços de inteligência são um dos instrumentos fundamentais a
serem empregados por parte do Estado informacional estadunidense. Tais serviços
atuariam em todas as dimensões de poder apontadas por Braman (2006) e Nye
(2009), dando suporte e promovendo os interesses do Estado patrocinador,
sobretudo a partir da faceta informacional, que permeia todas as esferas. Para
confirmar o pressuposto acima, este trabalho objetiva identificar as dimensões e
contextos informacionais com que atuam os serviços secretos e o seu emprego pelo
Estado norte-americano, por acreditar-se que o referido país atua com vistas a
manter a hegemonia informacional em todas as dimensões de poder. Para atingir o
objetivo acima proposto, busca-se caracterizar o contexto informacional em que os
serviços secretos intervêm; identificar os meios e instrumentos de informações
empregadas pelas organizações de inteligência governamental e identificar os
processos por que passam essa informação bem como os instrumentos utilizados
em sua análise.
4 A derrota no Vietnã, por exemplo, “[...] demonstrou a ineficiência das formas tradicionais de
beligerância em um conflito de características predominantemente irregulares” (VISACRO, 2009, p.
100-132), em que o adversário explora os elementos assimétricos e toda a sociedade insere-se nessa
guerra irregular. Esse tipo de resistência tornou inviável a contínua presença das tropas norte-
americanas no território desse país asiático. Os conflitos no Oriente Médio com a insurgência no
Iraque e no Afeganistão (MONIZ BANDEIRA, 2005 p. 780-792) também acentuam esse ponto de
vista. Embora a máquina militar estadunidense tenha rapidamente vencido as guerras convencionais
contra as forças não tão regulares dos afegãos e o exército iraquiano, a consolidação da ocupação
tem se mostrado mais difícil. De fato, o poderio militar estadunidense é inigualável ante um tipo de
enfrentamento simétrico entre forças armadas. Exército contra exército. Todavia, uma guerra de
ocupação em que o inimigo tira vantagem das assimetrias existentes, torna-se uma guerra de
desgaste, de usura, e de longo prazo, em que os custos em vidas e gastos vão se avolumando na
conta do país ocupante. Como potência hegemônica de nossa época, o Estado norte-americano erigiu
a maior estrutura de inteligência do período atual com o propósito de manter sua
primazia ante os demais concorrentes. Desta maneira, objetiva-se compreender o
funcionamento desses meios de inteligência a partir da lógica da disputa
informacional em curso que pode auxiliar na compreensão de uma significativa
faceta da evolução desse novo tipo de Estado, que é o Estado informacional.
Portanto, a pergunta implícita ao trabalho versa sobre quais os instrumentos de
inteligência são empregados pelo poder estadunidense com vistas a obter e manter
a hegemonia da disputa informacional no atual cenário.
Como pressuposto metodológico será utilizada a aproximação qualitativa, em
que se inicia o processo investigativo a partir da procura da intencionalidade dos
atores envolvidos, e dos instrumentos informacionais empregados a partir da lógica
a ser detectada. Como técnica investigativa é empregada a análise documental, com
a qual será construída a trajetória do sistema de inteligência dos EUA e o seu
emprego.
JUSTIFICATIVA
Essa pesquisa faz-se necessária por diversas questões relevantes. Uma
dessas questões, sob um olhar mais amplo, dá-se pela necessidade de melhor
compreender os fenômenos informacionais que permeiam o propagandismo em
torno da sociedade em rede (CASTELLS, 1999). Existem diversos estudos sobre as
mudanças econômicas e sociais características de uma coletividade em que
prepondera a informação como meio primordial para relações sociais, pesquisas
científicas, obtenção de informações e comércio entre empresas. Todavia, a
revolução informacional ao impactar todos os campos das relações humanas
também afeta o terreno das guerras e dos enfrentamentos. Sendo a sociedade da
informação um subproduto da Guerra Fria, na esfera da corrida tecnocientífica entre
as potências, onde repousam as pesquisas que procuram o entendimento acerca da
informação para suporte ao domínio e controle do conhecimento? Busca-se com
esta pesquisa verificar o quadro após 50 anos do prenúncio dessa sociedade e do
estabelecimento disciplinar, em 1962, da Ciência da Informação.
Quando Saracevic (1996; 1999) aponta que a origem dos estudos
informacionais relaciona-se à necessidade de lidar com um imenso volume de dados
no final da Segunda Guerra Mundial, não podemos deixar de pensar no esforço norte-americano em obter informações estratégicas sobre os soviéticos, que
envolvia a necessidade de recuperar as citadas informações, dado seu gigantismo.
O próprio surgimento do computador, enquanto elemento formador da atual
sociedade da informação, também teria associada à sua origem a dimensão
informacional dos conflitos do Estado. As pesquisas de Alan Turing remontam à
atividade da inteligência britânica tentando desesperadamente quebrar as cifras da
comunicação do exército alemão (SINGH, 2001, p. 197; PATERSON, 2009, p. 83-
85), com vistas a não perder a guerra em curso para a Alemanha nazista. As
pesquisas de Vannevar Bush seriam mais uma expressão do estreito vínculo da
guerra para com os estudos informacionais. Ao longo de sua jornada, Bush foi
estritamente ligado às agências de inteligência militar, articulando o esforço científico
estadunidense às necessidades militares e de poder nacional estratégico do Estado.
Sendo um dos patronos da pesquisa computacional na Moore School, da qual era
diretor, tais pesquisas deram origem ao ENIAC, primeiro computador desenvolvido
para prover informações e cálculos aos militares norte-americanos (BRETON, 1991,
p. 127). A informação a serviço dos interesses militares e de inteligência estatal
permeia a biografia de Bush, não se estranhando que em seu festejado artigo
intitulado "As We May Think" (1945), mais do que o chamamento explícito ao
desenvolvimento de uma utópica ferramenta (Memex) para o acesso universal da
informação, o mesmo estivesse concatenando um novo esforço científico de guerra.
Outra faceta a ser compreendida diz respeito à necessidade estatal por
produtos informacionais originados nos serviços secretos. A ausência de pesquisas
nacionais sobre o que seja um sistema de obtenção de inteligência adequado aos
tempos atuais, mais do que a ruptura histórica discorrida acima, pode representar
também uma ameaça ao desenvolvimento da nação em médio prazo. Essa ausência
de literatura acerca das dimensões informacionais do Estado poderia ser explicada
por um comprometimento ideológico das áreas de estudos informacionais, que
estariam vinculadas ao ordenamento ideológico da lógica econômica atual.
Conforme argumenta Frota:
Uma lacuna em termos dos objetivos e dos problemas de investigação é a
quase ausência de pesquisas centradas nos grandes desafios de gerir a
informação no âmbito das organizações públicas, governamentais e não
governamentais. Neste sentido parece predominar uma leitura restrita da
sociedade contemporânea, fortemente pautada por um viés neoliberal, no
qual o mercado é superdimensionado e as dimensões da sociedade civil e do Estado são simplesmente desconsideradas ou tratadas como
subordinadas à lógica totalitária do mercado (2007 p. 56).
Não compreender a relevância do Estado enquanto ator privilegiado nas
relações internacionais pode significar a aceitação de um papel secundário nessas
relações, em que os projetos nacionais deixariam de existir de maneira autônoma.
Sob o viés dos serviços de inteligência estatais, no momento em que a
complexidade envolvendo a atuação dos diversos atores globais vai aumentando, a
necessidade do Estado em identificar e neutralizar novas e velhas ameaças à sua
segurança pode ser primordial.
No caso do Brasil, com sua maior projeção no cenário internacional a partir do
início do século XXI, e a pretensão de constituir-se como potência regional e global
(SILVA, 2008), tal protagonismo também traz riscos. Qualquer novo espaço político
ocupado significa o desalojar do ocupante anterior, logo, é improvável uma maior
projeção internacional sem que se tenham também novos antagonismos. Ao subir de
patamar na relação de poder entre países, os adversários modificam-se e os atores
envolvidos no nível de poder recém alcançado comumente possuem mais recursos e
instrumentos para fazerem valer suas aspirações. Ocupar um espaço de poder
internacional semelhante à Rússia, à China e à Índia é bastante distinto em termos
de dimensões e perigos, do que em relação à projeção de poder do país no tocante
às relações e conflitos com o Paraguai, a Argentina ou o Peru (SILVA, 2008). Com
um planeta cada vez mais interconectado informacionalmente, essa dimensão do
enfrentamento entre os Estados não permite a mesma segurança que o isolamento
geográfico da América do Sul possibilitava até pouco tempo atrás em relação às
guerras europeias.
O trabalho estrutura-se a partir das dimensões de poder cunhadas por
Braman. No primeiro capítulo são discutidos os procedimentos metodológicos que
ordenaram as análises documentais e literárias que balizaram a presente pesquisa.
Também são apresentadas as categorias conceituais que ordenaram as buscas no
material analisado. No segundo capítulo são caracterizados as estruturas e os
conceitos que demarcam a atividade de inteligência estadunidense, de forma a se
compreender sua lógica de funcionamento. Serão descritos os processos, bem como
os produtos informacionais da área, de maneira que se compreendam as
possibilidades dos serviços secretos em relação à sua serventia ao Estado. A partir dessa conceituação, são analisadas as dimensões de exercício do poder e suas
necessidades informacionais. Em cada dimensão de poder são apresentadas as
características dos serviços de inteligência empregados para tentar vencer a disputa
informacional de poder naquela esfera. Será adotado o enfoque de Nye acerca do
poder coercitivo e simbólico, na medida em que este engloba a visão de Sandra
Braman, simplificando a abordagem desta. Tem-se, portanto, um terceiro capítulo
que debate essa relação no campo do poder coercitivo ou instrumental. Neste tópico
primeiramente é analisada, nas esferas estratégica e tática, a necessidade das
informações de inteligência. Sob o prisma estratégico observam-se distintas
concepções sobre as relações internacionais e como estas impactam as
necessidades informacionais do Estado. Tenta-se compreender se o emprego da
espionagem e outras técnicas de coleta informacional como suporte ao exercício da
força sofrem variações de acordo com o credo político dominante. Já sob o escopo
tático são debatidos temas como os conflitos bélicos e negociações internacionais, e
se de fato as informações de inteligência ainda são necessárias ao exercício do
poder coercitivo. Em seguida, lastreado pela análise documental, é apresentado o
modelo de inteligência estadunidense e como este é estruturado para dar suporte
informacional ao poder instrumental (coercitivo) desse país. Em um quarto capítulo,
com o foco no poder simbólico ou suave, analisa-se com a Guerra Fria e a era
atômica o enfoque privilegiado do Estado norte-americano quanto ao emprego da
disputa ideológica e informacional para com os seus adversários de então. Em
seguida, baseado na doutrina oficial dos EUA, são apresentados os meios com que,
a partir das organizações de inteligência, empregou-se a desinformação e
propaganda, manipulando a percepção de realidade dos indivíduos e dos Estados
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