Corrupiçao na Amazônia
Grandes obras de infraestrutura, realizadas em muitos casos por meio de financiamento público, foram e são estrategicamente apresentadas como soluções para
viabilizar e justificar o desenvolvimento socioeconômico. No caso do Brasil, a história é repleta de
exemplos que mostram como gestores públicos e
a iniciativa privada incorporaram em suas estratégias projetos de infraestrutura nos níveis local,
regional e nacional.
Um olhar atento ao noticiário do país também
mostra como essas obras são um espaço fértil
para atos de corrupção e implicam em intensos
impactos socioambientais. Essa realidade tem le
vado a profundos questionamentos e conflitos em
torno de grandes projetos de infraestrutura de diferentes setores, como energia e transportes.
Evidências mostram, por exemplo, que tanto a
construção de Brasília, na década de 1950, quanto a construção da Usina de Itaipu, na década de
1970, abriram caminho para práticas corruptas
e causaram grandes impactos socioambientais.
Mais recentemente, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014, revelou a existência de uma intricada
rede de práticas de corrupção atreladas a licitações, licenciamentos e construções de grandes
obras de infraestrutura.
A questão torna-se ainda mais aguda quando a
região escolhida para esses empreendimentos é a
Amazônia. Maior floresta tropical do mundo, com
60% de seu território em solo brasileiro, abriga povos indígenas e comunidades tradicionais que dependem da floresta em pé para viver. Ao longo das últimas décadas, investigações e denúncias revelaram casos graves de corrupção em diferentes etapas do ciclo de infraestrutura: do planejamento e concepção das obras, passando por sua licitação e licenciamento, até a sua implementação. Alguns desses casos se relacionam com as maiores
e mais controversas obras realizadas no país nos
últimos anos, como nos casos das Hidrelétricas de
Belo Monte, localizada no estado do Pará e Jirau e
Santo Antônio, ambas em Rondônia.
O efeito da corrupção nesse tipo de empreendimento é especialmente preocupante. Práticas
como o pagamento de propina, o financiamento
ilegal de campanhas, o desvio de dinheiro público
e a nomeação de autoridades com conflito de in
teresse são responsáveis pelo desvirtuamento dos
processos de tomada de decisão sobre infraestrutura e pela captura do Estado por agentes públicos e privados.
No plano socioambiental, a corrupção alimenta
a pressão sobre a decisão estatal de se fazer determinada obra – apesar dos seus riscos e impactos –, viabiliza interferências no
licenciamento ambiental, conduz
à flexibilização de áreas protegi-
das, agrava impactos diretos e
indiretos (incluindo aqueles sofridos por povos indígenas, comunidades tradicionais e demais
grupos afetados), gera problemas na gestão dos recursos voltados à mitigação e compensação e dá abertura à má aplicação
dos royalties gerados por alguns
tipos de empreendimentos.
Apesar das investigações realizadas ao longo dos últimos
anos, acompanhadas de alguns
avanços em integridade e transparência, como mostra o texto
da Nova Lei de Licitações (Lei nº
14.133/2021). Ainda assim, per-
siste o risco de que esquemas
de corrupção continuem a atingir
projetos de infraestrutura – especialmente nos investimentos rela-
cionados à retomada econômica
após a crise causada pela pandemia do novo coronavírus.
Por isso, a Transparência In-
ternacional - Brasil e o WWF-
Brasil uniram esforços para ela-
borar recomendações voltadas
ao combate à corrupção em
grandes obras (especialmente
para a sua prevenção) e para
aprimorar a gestão de impactos
socioambientais desse tipo de
empreendimento. Tal esforço foi
realizado a partir da análise de
pesquisas acadêmicas, docu-
mentos de órgãos multilaterais,
organizações da sociedade civil
e órgãos de controle. São essas
recomendações que apresen-
tamos ao longo desse relatório,
como proposta de uma agenda
de reformas e boas práticas para
a atuação dos setores público e
privado em grandes obras de in-
fraestrutura.
A iniciativa é especialmente
necessária em função do cenário recente de enfraquecimen-
to das instituições e das políticas ambientais e de combate à
corrupção. Em 2019 e 2020, a Transparência Internacional – Brasil denunciou sucessivos retrocessos no arcabouço jurídico
e institucional anticorrupção. Na
frente ambiental, o WWF-Brasil
denunciou, em várias ocasiões
nesses mesmos anos, o des-
monte da política socioambiental brasileira e o aumento da
degradação ambiental no país.
É urgente que esses retrocessos
sejam revertidos e medidas po-
sitivas de integridade socioam-
biental sejam incorporadas ao
repertório de instituições públi-
cas e do setor privado.
Como você verá nas próximas
páginas, três conceitos são fun-
damentais para enfrentar esse ce-
nário: integridade, transparência
e accountability. Eles nortearam
a análise da bibliografia selecio-
nada, sendo também transversais
às recomendações apresentadas.
O conceito de integridade
corresponde a “comportamen-
tos e ações que compõem um
conjunto de princípios e parâ-
metros éticos e morais adotados
por indivíduos e instituições”,
elementos que criam uma barreira para a prática de corrupção¹.
Transparência remete a meca-
nismos institucionalizados de
acesso à informação, levando
em conta regras, planos, processos e ações de governos,
organizações e outras entidades, inclusive privadas². Na esfera pública, caracteriza-se pela
possibilidade de acesso a todas
as informações relativas à ação
estatal, sendo um dos requisitos
do seu controle pela sociedade
civil. Por fim, accountability se
aproxima do conceito de pres- sujeitos à responsabilização em
todos os procedimentos e decisões que tomam, principalmente em relação à salvaguarda de
recursos públicos e à imparcialidade que devem adotar.
A corrupção é um fenômeno
particularmente complexo de
se combater. Afinal de contas,
ela não acontece “à luz do dia”.
Além disso, seu enfrentamento
requer uma série de avanços
que vão de encontro aos interes-
ses de parte da classe política,
de setores do Estado e de agentes econômicos poderosos, o
que dificulta sua implementa-
ção. Diante disso, enquanto o
país assiste à interferência política em órgãos de controle e
à redução da transparência e
da participação social, ficamos
cada vez mais distantes de um
arcabouço legal e institucional
adequado. Cria-se então o ce-
nário ideal para que a corrupção
persista no âmbito de grandes
obras, não apenas federais, mas
também estaduais.
Uma espécie de “tempestade
perfeita” se forma no horizonte:
demandas de infraestrutura de
um lado, principalmente no perí-
odo pós-pandemia, como forma
de aquecer a economia e garan-
tir serviços públicos; de outro, o
enfraquecimento de normas e
instituições anticorrupção e da-
quelas responsáveis pela gestão
de impactos socioambientais de
grandes empreendimentos.
Dessa forma, apresentamos
nesse relatório uma agenda pro-
positiva, que busca contribuir
com reformas e avanços nas prá-
ticas de transparência, integridade e accountability em grandes
obras. São propostas capazes de
aprimorar os processos e decisões que envolvem a construção
de grandes obras de infraestrutura, reduzir as oportunidades de
corrupção e garantir, assim, que o
meio ambiente, as comunidades
tradicionais e povos indígenas e
os direitos de toda a sociedade
sejam sempre respeitados.
tação de contas. Diz respeito ao
escrutínio público a que devem
ser submetidos todos os mem-
bros do aparato do Estado, tan-
to os de carreira quanto os que
são eleitos e/ou nomeados por
tempo determinado, e agentes
privados, que precisam estar.
Passado presente futuro
São muitos os casos de corrupção em grandes
obras de infraestrutura da Amazônia. Quan-
do se examinam alguns desses projetos com
mais detalhes, nota-se como práticas ilegais
recorrentes prejudicam a qualidade da toma-
da de decisão. A má conduta não apenas au-
menta os gastos do Estado e gera desfalques
nos cofres públicos, como também interfere
na transparência e no controle social, além de
criar condições propícias para a degradação
do meio ambiente e a violação de direitos.
Esse prejuízo à coletividade e ao próprio
Estado se dá de diversas formas: pressão so-
bre a decisão de se fazer determinada obra
– apesar dos seus possíveis riscos e impactos
–, interferências no licenciamento ambiental,
flexibilização de áreas protegidas, impactos
diretos e indiretos subdimensionados (inclusi-
ve aqueles sofridos por povos indígenas, co-
munidades tradicionais e outros grupos afe-
tados), problemas na gestão dos recursos de
mitigação e compensação, além da má apli-
cação dos royalties gerados pela atividade.
Na Amazônia, dada sua relevância am-
biental e diversidade cultural, os impactos de
grandes obras, ainda mais na presença de
corrupção, são especialmente preocupantes.
Ao longo das últimas décadas, investigações e
denúncias revelaram casos graves de corrup-
ção em diferentes etapas do ciclo de grandes
empreendimentos na região: do planejamento
e concepção, passando por sua licitação e li-
cenciamento, até sua implementação.
PRE
-
SEN
TEApesar de a bandeira anticorrupção ter influenciado fortemente
as eleições de 2018 em vários níveis de governo, práticas totalmente contrárias a ela foram registradas nos últimos dois anos.
Avançamos pouco em melhorias no arcabouço legal e institucional
anticorrupção do país desde então, apesar das muitas propostas em pauta, como as “Novas Medidas Contra a Corrupção”.
Na realidade, muitos foram os retrocessos: em 2019 e 2020
o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fragilizou órgãos públicos de combate à corrupção. Esse cenário é evidenciado por
episódios como as demissões na Polícia Federal e na Receita
Federal e a interferência em outras unidades, como no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e no Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (COAF). Na mesma direção, o
Presidente da República também quebrou a tradição na indicação
para a chefia do Ministério Público Federal ao escolher Augusto
Aras como Procurador-Geral da República, mesmo ele não tendo
sequer concorrido nas eleições internas organizadas pelos procuradores de carreira. De maneira similar, a Procuradoria-Geral
da República (PGR) tem realizado intervenções na estrutura e no
funcionamento do Ministério Público Federal, incluindo o desman
telamento de Forças-Tarefa, como a Greenfield e a Lava-Jato.
DO OUTRO
LADO, O
O mesmo ocorre com os ór-
gãos ambientais, como o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que desempenha
funções essenciais tanto para a
fiscalização ambiental como para
o licenciamento de grandes obras
de infraestrutura. Contribuem para
isso a diminuição do orçamento
e da execução orçamentária dos
órgãos ambientais e a exoneração
de agentes públicos com ampla experiência, comprovada reputação e
reconhecida liderança, além da redução de espaços de participação,
por meio da extinção e redução da
representação da sociedade nos
conselhos ambientais, e as tentativas de deslegitimação dos dados
de desmatamento e queimadas
produzidos pelo Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE).
O governo tem flexibilizado
normas infralegais – estratégia que
ficou conhecida como “passar a
boiada” – e existem ameaças de
retrocessos em leis ambientais,
inclusive na legislação relacionada ao licenciamento ambiental.
Como resultado desse conjunto de
retrocessos, o Brasil bateu recorde histórico de desmatamento6:
entre 2019 e 2020 11.088 km² de
floresta amazônica desapareceram, um crescimento de 9,5%
em relação ao período anterior.
É a maior área desmatada desde
2008, quando 12.911 km² haviam
sido derrubados. A curva ascendente desde 2017 cresceu ainda
mais nos dois últimos anos.
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